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Artigo de síntese – Tertúlia 12/02/2021

 Artigos de síntese - visam expor os assuntos e temas abordados nos debates presenciais, descrevendo os pontos de vista e argumentos expostos e trocados, e conclusões alcançadas. 

No passado dia 12/02/2021 decorreu uma tertúlia ingovernável por vídeo-conferência, onde o tema central foi: ”O Estado da direita em Portugal”.


A tertúlia começou com uma dupla evocação, de George Schultz e do Tenente Coronel Marcelino da Mata.

 

George Schultz (Nova Iorque, NY – 1920; Stanford, CA – 2021) destacou-se como Secretário de Estado da administração Reagan entre 1982 e 1989, Foi uma das peças fundamentais a contribuir para a queda do bloco soviético. Pode consultar um perfil completo aqui.

 

O Tenente Coronel Marcelino da Mata foi o militar mais condecorado da história do exército Português. Entrou no exército acidentalmente, em vez de um seu Irmão, em 1960. Foi fundador dos comandos e participou em 2412 operações entre a Guiné, o Senegal e a Guiné Conacri. Entre as operações mais famosas contam-se:

·      Operação tridente (1964) – Conquista de 3 ilhas ao PAIGC;

·      Operação Mar Verde (1970) – Libertação de 26 prisioneiros de guerra Portugueses em Conacri, destruição de barcos e armas fornecidos pela URSS ao PAIGC, destruição do quartel-general do PAIGC em Conacri.

·      Operação Ametista Real (1973) – “aniquilar ou, no mínimo, desarticular a organização do PAIGC na região de Guidaje-Bigene”.

·      Resgate de 150 soldados portugueses cativos no Senegal

Aquando da independência da Guiné-bissau, Marcelino da Mata é proibido de entrar na sua terra natal. Já em 1975, em Lisboa, é detido no quartel do RALIS  e sujeito a tortura e flagelação por militares afectos ao movimento extremista MRPP, entre os quais Manuel Augusto Seixas Quinhones de Magalhães, Leal de Almeida e João Eduardo da Costa Xavier.

Consegue fugir para Espanha de onde regressa após o 25 de Novembro de 1975 que pôs fim ao PREC.

Viveu os últimos anos com dificuldades, graças à pobre pensão que auferia e a dívidas por ter sido enganado. Alguns amigos juntaram-se e fizeram uma colecta para o ajudar.

Entre as suas condecorações contam-se:

5 cruzes de guerra, 3 medalhas (1 de ouro), e a condecoração de Cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito (1969). Esta é a mais alta condecoração Militar, instituída por D. Afonso V em 1459.

 

 

Feitas estas evocações passou-se à introdução do tema principal: “O estado da Direita em Portugal”.

Procurando fazer uma espécie de arqueologia das direitas em Portugal, recuando ao início da democracia, foi proposto o seguinte esquema:

 








 

 

Numa breve explicação do racional que suporta o gráfico acima, propusemos 4 famílias das direitas em Portugal:

·      Salazar – na sua vertente de contas rigorosas e patriotismo, nunca justificando a ditadura. Não identificamos, hoje, herdeiros dos traços apontados.

·      Gonçalo Ribeiro Telles – Fundador de uma corrente, além de monárquica, ecologista e com preocupação pelo país rural. Também aqui não encontramos, no panorama actual, um sucessor desta corrente.

·      Sá Carneiro – terá dado origem a várias interpretações sucessórias, nomeadamente:

o   Linha de Balsemão e Durão Barroso;

o   Linha de Cavaco Silva e Rui Rio;

o  Linha de Marcelo Rebelo de Sousa, na qual ainda não vislumbramos sucessão ao actual Presidente da República.

·      Freitas do Amaral – Terá dado origem a duas famílias distintas, algumas cruzadas com Sá Carneiro, a saber:

o   Lucas Pires, numa linha mais liberal. Chegou a integrar o PSD quando este foi membro do grupo Liberal no Parlamento Europeu. Podemos apontá-lo como inspirador de:

§  Pedro Passos Coelho

§  Assunção Cristas

§  Adolfo Mesquita Nunes

§  Iniciativa Liberal

o   Manuel Monteiro e Paulo Portas, numa linha mais conservadora, terão inspirado:

§  Francisco Rodrigues dos Santos

 

Podemos ainda constatar um ausente da interpretação feita. Com efeito, não vemos o movimento protagonizado por André Ventura em nenhuma das famílias da Direita Portuguesa. As suas raízes estarão, ironicamente, em fenómenos estrangeiros como os movimentos que elegeram Trump e Bolsonaro, ou os partidos de Le Pen e Salvini.

 

Posto isto a discussão versou sobre o estado actual da Direita Portuguesa. 

Feita a constatação da presente dificuldade de liderança à direita, fez-se um balanço do estado da mesma. 

Foi realçado que as lideranças actuais não gozam de uma relação particularmente boa com a imprensa, o que contribuirá para a dificuldade de passar a mensagem.

Foi levantada a questão da devassa da vida privada imposta a quem se aventura na política, bem como a dimensão profissional extra-política e bem-sucedida de muitos potenciais líderes. Este conjunto de circunstâncias elevam grandemente o preço de existir politicamente, quiçá para lá do que muitos estariam dispostos a pagar. Não só as suas condições materiais de suporte à qualidade de vida seriam diminuídas, mas também a privacidade dos que os rodeiam seria devassada.

Um dos pontos levantados foi o do tipo de liderança de Rui Rio e daquilo que aparenta ambicionar. A sua competência, demonstrada enquanto Presidente da Câmara Municipal do Porto, é inequívoca. No entanto foi questionada a sua vontade de ser governo ou de se bastar com a pasta das finanças num governo com António Costa. O facto de esta dúvida estar presente releva bem o tipo de dificuldades que o maior partido da direita encontra, muito por causa de uma dificuldade comunicacional e ambiguidade na expressão dos seus projectos para o país.

A isto não será alheia, certamente, a vulnerabilidade de parte da comunicação social a pressões que têm vindo a público, lembrando os tempos de má memória de Sócrates no Partido Socialista. Os protagonistas repetem-se e, aparentemente, os métodos de actuação também. No entanto, há hoje uma força cujo impacto ainda não é totalmente compreendido: as redes sociais.

Por outro lado, foi saudado o aparecimento da Iniciativa Liberal. Apesar de não ser bem enquadrável na direita tradicional, procura o seu lugar no espectro político cooptando sensibilidades que se enquadrariam do CDS ao PS. Um actor a observar nos próximos tempos.

Por fim, o outsider. O Chega, veio agitar as águas e dar expressão a um identitarismo populista que ainda não havia aparecido em Portugal com expressão relevante.

Sendo aquele que não tem raízes, poderá ser também o que menos pejo terá em quebrar convenções para atingir os seus fins. Mais uma vez importa manter a vigilância e, elevando o debate, combater os excessos com ideias construtivas.

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