São dois
assuntos demasiado sensíveis: agricultura e subsídios. Várias pessoas
publicaram nas redes a sua indignação e solidariedade para com os agricultores
que se manifestaram nos primeiros dias de Fevereiro, cortando a circulação de
várias estradas do país. As razões deste protesto são em parte portuguesas: o
Governo enganou-se ao inscrever uma área muito pequena (apenas 10 de 460 mil
hectares) para reconversão da agricultura convencional em biológica, o que
resultou em cortes de 35% nos apoios comunitários a ecorregimes de agricultura
biológica e 25% nos de produção integrada. Mas as razões deste protesto são
também europeias, com regras ambientais mais apertadas e o fim de subsídios ao
gasóleo agrícola ou uma concorrência mais competitiva de produtores
sul-americanos. Daí, a mimetização nacional dos métodos e slogans das
manifestações em curso noutros países europeus.
As palavras
de ordem são dramáticas e o tom chega a ser violento: “sem agricultores não há
comida”, “o nosso fim é a vossa fome”, “se o campo não planta a cidade não
janta” e “a agricultura está de luto” são alguns exemplos. As imagens
escolhidas para o ilustrar vão de agricultores a enforcarem-se, a senhora Morte
com a gadanha a visitá-los ou os tractores a cercar um Parlamento Europeu em
chamas. Também são divulgados vídeos de agricultores franceses a entrar nos
supermercados e a destruir alimentos importados, ou a virar camiões de
abastecimento de bens com a força dos seus tractores. Estes slogans e imagens
são mais um sinal da crescente polarização da nossa sociedade, onde os ânimos
da revolta são de novo empolados – parece que nada aprendemos com o descontrole
emocional que guiou as ocupações de terras do Verão Quente de ’75!
Fui ver o
que os vários partidos diziam no Facebook nos últimos dias. O PSD comunicou que
“a Aliança Democrática solidariza-se com a indignação dos agricultores
portugueses” e que “os agricultores precisam de governantes que os dignifiquem,
que cumpram compromissos”; o Chega anunciou que está “ao lado dos agricultores
e da produção nacional” e que os políticos “falharam-lhes com os apoios”; o PCP
diz que está “com os agricultores em protesto contra os baixos rendimentos e a
imposição de preços por parte da grande distribuição” e que “esta situação
requer a adopção de medidas para resolver os problemas verificados, garantindo
que os agricultores não têm perda de rendimentos”. O PS nada disse. Da mesma
forma, a Iniciativa Liberal, o Bloco de Esquerda, o PAN e o Livre fizeram
absoluto silêncio sobre este assunto nas suas redes.
Portanto,
só o PSD, o Chega e o PCP ousaram falar do assunto. O Chega e o PCP são a favor
de mais apoios para os agricultores, o PSD mais cauteloso com as palavras
defende apenas que o mínimo deve ser cumprido: o Estado tem de honrar os
compromissos a que se propôs. Porém, nenhum põe em causa a lógica dos subsídios
à agricultura. Esta questão tem de se colocar mais tarde ou mais cedo, só que
os nossos partidos ou são omissos ou são a favor de cada vez mais subsídios à
agricultura, e nunca contra. Então, proponho que olhemos para esta questão de
outro ângulo:
A história
de grande sucesso sobre subsídios agrícolas vem da Nova Zelândia. No início dos
anos 1980, os agricultores deste país estavam quase tão dependentes de
subsídios como hoje estão os agricultores europeus. No estudo “The Subsidy
Scandal”, Charlie Pye-Smith escreve que “em 1983, os apoios à agricultura
na Nova Zelândia eram 1/3 daquilo que os agricultores recebiam. O Governo e os
próprios agricultores reconheceram que este estado de coisas não podia
continuar. Em 1984 foram introduzidos cortes massivos nos subsídios à
agricultura, que hoje representam apenas uma pequenina fracção daquilo que
eram. Os benefícios desta medida foram largamente sentidos. O contribuinte já
não está a ser extorquido. A retirada dos subsídios levou a um abrandamento do
desmatamento, o que foi bom para o meio ambiente. E, mais surpreendente que
tudo e ao contrário daquilo que tantos tinham previsto, o número de
agricultores cresceu em vez de diminuir. Operando no mercado livre, os
agricultores adaptaram-se e tornaram-se mais engenhosos para sobreviver. É
assim que deve ser. Muitas vezes, os subsídios encorajam a dependência e a
preguiça.”
A Nova
Zelândia é hoje uma potência agrícola que exporta carne, lã, fruta e vinho para
todo o mundo. Lá, os subsídios reduziram-se a quase 1% daquilo que os
agricultores recebem. Mas em Portugal o caso é bem diferente. Cerca de 35% dos
fundos europeus são destinados à Política Agrícola Comum (PAC), que por sua vez
merece mais de metade das leis comunitárias produzidas todos os anos. A PAC
existe, na práctica e desde o início, para defender os interesses agrícolas franceses.
Por exemplo, muitos agricultores portugueses começaram por aceitar
o subsídio para arrancar vinha logo na altura da adesão, o que convinha aos
produtores franceses de vinho. Depois, foram atrás de outros subsídios
importantes, como o do milho, o do girassol, e tantos outros. Não cultivavam o
que o mercado pedia, mas apenas aquilo que lhes dava mais benefícios. Assim,
foram-se tornando mais dependentes destes apoios, até chegarmos aos dados de
2022 que mostram que em Portugal os subsídios à produção representaram cerca de
54%
do rendimento empresarial líquido dos agricultores.
Alguns
subsídios muito concretos poderão fazer sentido económico e social. Um exemplo são
os apoios à instalação de novas tecnologias que ajudem os agricultores a
produzir mais, desperdiçando menos e melhorando o cuidado ambiental. Estes
devem ser apoios de uma só instalação e devem ser dirigidos sobretudo a projectos
agrícolas de pequena e média dimensão – não tanto àqueles que têm meios
próprios para implementar essas mudanças. Agora, coisa diferente é subsidiar constantemente
determinado produto que nos chega ao mercado de outro lugar com igual qualidade
e um preço mais baixo. Isso já não tem sentido. Esse subsídio irá desvirtuar a
concorrência e irá aumentar o seu custo: mesmo que o seu preço na prateleira
pareça competitivo, o consumidor já pagou parte daquele custo em impostos
enquanto contribuinte.
Seria
melhor seguir o exemplo da Nova Zelândia, onde as regras são mais simples, os
impostos menos pesados, e onde os agricultores prosperam sem precisar de
subsídios porque estão completamente orientados para as reais necessidades dos
mercados onde colocam os seus produtos. Mas nos EUA, no longínquo Estado do
Montana, os legisladores decidiram subsidiar os criadores de ovinos locais para
concorrer contra os ovinos que lá chegavam com um marketing competente e a
preços muito atractivos, vindos da… Nova Zelândia.
Os
agricultores merecem todo o nosso reconhecimento e respeito. No entanto, não podemos
ficar reféns dos seus tractores e devemos questionar até que ponto os nossos
impostos devem perpetuar determinadas ineficiências. Conhecemos o aumento do
custo de produção de bens que alguém num gabinete de Bruxelas ou de Paris
decide serem bons para a nossa saúde (pensemos no famigerado mirtilo), mesmo
que tal não faça qualquer senso numa economia livre e de mercado. Os próprios
agricultores também são contribuintes, tal como nós, e tal como os
neo-zelandeses compreendem bem aquilo que aqui está em causa.
Não estamos
a questionar um qualquer subsídio social, como os prestados no campo da saúde, na
área da educação, e até da cultura, ou sobretudo de amparo a quem não encontra
trabalho e aos mais frágeis da sociedade. Há partidos que fazem esse papel. O
que nenhum partido faz é pensar na razão de ser destes subsídios económicos a
sectores de actividade que deviam libertar-se dos artifícios do Estado para
finalmente se adaptarem à realidade e poderem encontrar os seus próprios meios
de sustento. Encarar a realidade sem constrangimentos é o primeiro passo para
podermos encontrar mais justiça, valorizar o trabalho dos agricultores e cuidar
do nosso mundo rural.
AVC
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